sexta-feira, 27 de julho de 2007

Relato D1: Santa Cruz-Cochabamba - o dia do medo

Chegamos à 01:00 no aeroporto de Viru-Viru. A imigração foi bem simples. Eu tinha esperança de ainda checar o preço das passagens e horários na Transportes Aereos Militares, mas o aeroporto todo estava fechado. Só deu pra ver o preço da Aerosur pra La Paz (U$120,00), muito caro. Não deu nem pra trocar dinheiro. Pegamos um taxi até a cidade. Tem que acertar antes, e fechamos em U$7,00 até a cidade. Vale a pena, porque fica realmente longe e naquele horário os microônibus não estavam correndo. Queríamos ir a um hotel perto da rodoviária, pra pegar o bus pra La Paz logo de manhã. O meu Rough Guide dizia que o Hostal 7 de Mayo era limpo e com quartos modernos. Grande engano. Os quartos são horríveis, fazendo juz ao seu preço: B$60,00 o casal (eu acabei dando U$10,00 pra pegar o troco depois, mas não deu tempo, ficou por isso mesmo).

Acordamos cedo no dia seguinte e fomos pra rodoviária. Troquei U$200 a B$7,80 com um tiozão na frente do terminal. No terminal, a oferta é (ou deveria ser) grande de passagens saindo em todos os horários para La Paz e Cochabamba. O que eu não esperava é que, justamente nesse dia, iniciaram-se grandes protestos em toda a Bolívia. Como de costume, eles fecharam várias estradas, em especial a que liga Santa Cruz a Cochabamba e esta última a La Paz. As principais companhias não estavam saindo, só aquelas de segunda linha. Ficamos meio sem saber o que fazer, e na pressão acabamos comprando bilhete (B$60 por pessoa) em uma companhia que iria sair às 7:00 e, supostamente, chegar às 14:00 em Cochabamba, usando uma estrada antiga. Esse foi, com toda certeza, o maior erro de toda a viagem.

Levamos todas as mochilas conosco, pois não confiamos nos caras, o que nos deixou apertados (eu fui o tempo todo abraçado à minha mochila 80L). Depois de 50 min. de atraso, o ônibus partiu. Antes de deixar Santa Cruz, o ônibus já estava com os corredores lotados de gente - e só nós dois de turistas. Ao meu lado foi uma cholla. O clima em Santa Cruz é quente e, algum tempo depois, todos (especialmente a cholla) começaram a exalar odores sudoríparos. Não nos abatemos, afinal estávamos ali também pela aventura.

Cerca de quatro horas depois veio a primeira parada, e foi quando me dei conta de que a viagem demoraria bem mais que o esperado. Não estávamos nem a um terço do caminho, e ainda haveria um bom trecho de terra a passar. A vila onde paramos lembra muito aqulas cidades de faroeste americano. Estávamos meio enjoados da viagem e do fedor e não havia nada pra comer que não despertasse algum medo - fora que demoramos muito pra escolher e a comida do lugar simplesmente acabou. Já era quase meio-dia, e meu almoço foi uma garrafa de coca-cola. A paisagem começava a mudar, com a estrada cortando montanhas, o clima um pouco mais frio e bem seco, e a vegetação variando de algo parecido com o nosso cerrado para cactos. O vento trazia muita poeira.Pelo menos ainda tínhamos as goiabinhas e um torrone, que comemos logo que o ônibus partiu.

Uma hora depois, quando estávamos já bem de saco cheio, foi quando começou a tortura. Assim que acabou o asfalto, a poeira da estrada invadiu o ônibus de forma violenta. Era uma poeira diferente da que estou acostumado, muito fina, que parece grudar nas paredes dos brônquios e asfixiar. Não dava pra dar uma respirada um pouco mais funda sem começar a tossir. Ao terminar de tossir, não dava pra tomar aquele fôlego, pois senão começava uma nova crise. Isso ocorria mesmo colocando várias camadas de pano na boca. Pra completar, estávamos ganhando altitude. Se imaginar passar por isso por 10 minutos já parece tortura, aos 30 já estávamos desesperados. E foram horas desse jeito. As roupas, malas, cabelo, tudo estava completamente coberto de pó. Eu achei que iria pegar uma doença pulmonar pelo resto da vida e, no meio do desepero, era comum pensarmos que iríamos morrer ali mesmo (um sentimento que, apesar de tudo o que já passei na vida, nunca foi tão ameaçador).

Nisto o ônibus, no meio daquelas estradas tortuosas, com precipícios enormes do lado, teve um pneu furado. Foi até bom pra baixar um pouco a poeira e dar uma caminhada.

Nessa hora o que me consolava era que, ao chegar em Cochabamba, eu iria comer bem, ir a um bom hotel (afinal, estávamos merecendo) e talvez a um hospital, fazer uma inalação com vapor (coisa que eu nunca fiz na vida). Depois que a noite caiu, uma boa notícia: o asfalto voltara. Não era nenhuma highway - tinha só uma pista, e quando vinha outro veículo na direção oposta um dos dois tinha que sair para o acostamento. Mas pelo menos tinha menos poeira. O frio da noite também ajudou a diminuir o pó e finalmente conseguimos dar uma cochilada.

Às 20:00, faltando cerca de duas horas pra chegar, veio a coroação da viagem: o ônibus começou a engasgar as marchas e quebrou. Ficamos esperando, e aos poucos as pessoas iam tomando coragem pra descer naquele frio. Foi quando veio a notícia de que o motorista não estava mais lá. Disse ele que foi buscar ajuda. Nisso até os bolivianos estavam apavorados, e não nos prestavam nenhuma ajuda. Na estrada passava um carro a cada cinco minutos. Nós descemos e fomos tentar pedir carona. Eu mostrava notas de dinheiro pros carros, pra ver se eles se sensibilizavam ao menos com isso. Nada... Depois de bobearmos e não pegarmos um taxi que estava passando por ali e saiu com uns 9 amontoados dentro do carro, demorou uns 15 minutos para um ônibus parar e pegar uma meia-dúzia. Desta vez fomos espertos e ficamos entre os escolhidos. Cobraram só B$10 por cabeça (se tivessem me pedido U$100 eu pagava com gosto).

Agora éramos nós que estávamos no corredor. O ônibus tinha feito o mesmo caminho que nós, porém saiu de Santa Cruz às 11:00. Fora que tinha ar-condicionado, então eles não tiveram problemas com pó. Fiquei me sentindo um palhaço. Tinha até TV, que passava uns shows com músicas locais.

Lá pelas 22:00 finalmente chegamos em Cochabamba. É incrível como o corpo e a mente humanas são capazes de se recompor. Poucas vezes senti um alívio tão grande em minha vida. Os pulmões já doíam pouco e eu estava feliz por poder respirar livremente - e olha que eu estava carregando uns 30 kg nas costas, recém chegado a uma altitude de 3.500m. Fomos para um dos melhores hotéis da cidade: Ceazar's Plaza Hotel. 4 estrelas, a B$310 o casal. Não pensei que eu fosse ficar em um hotel desse nível durante a viagem, mas estávamos realmente precisando. Pedimos uma pizza no quarto, tomamos banho e dormimos maravilhosamente, em meio aos lençóis branquinhos e macios. Um bom final para um dos piores dias da minha vida.

PS: de tudo se pode tirar uma lição. Nesse dia eu finalmente aprendi a diferenciar aventura de enrascada. O que eu passei não foi uma aventura. Não é algo de que me orgulho. Com certeza esse dia contriubuiu para tomarmos mais cuidado pelo resto da viagem. E, sim, esse dia contriubuiu de alguma forma para que eu desistisse de subir o Huayna Potosi.

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